terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Proibido Ouvir Isso – Antevisão


Para título de álbum musical, “Proibido Ouvir Isso” é, em todos os aspectos, um nome muito sugestivo – o que mais se proíbe é o que mais se deseja, diz o ditado - e MCK tem consciência disso, ao ressurgir à ribalta (não sei se ribalta cai bem, porque os undergrounds não gostam, ou dizem não gostar, dos holofotes) depois de cinco anos, quebrando, desta forma, a habitual pausa de quatro anos.
Aliás, “Cinco Anos de Ausência” é um dos singles disponibilizados pelo autor de “Atrás do Prejuízo” e da problemática “As Téknikas, as Kausas e as Konsequências”, em que Katro explica a razão do seu silêncio.
Mas, olhando para o álbum, este começa com um discurso proibido, o “Fogo Amigo”: «Saudações a todos os irmãos, maninhos e camaradas…a minha arte tornou-se proibida, Cherokee perdeu a vida … no sofá de casa todos são críticos, na rua é só “sim chefe”», atira MCK, sobre um instrumental com bases africanas (característico do artista) produzido por Flagelo Urbano, desembocando na já referida “Cinco Anos de Ausência”, seguida da também já disponibilizada “Por Detrás do Pano”, com participações de Ângela Ferrão e Beto de Almeida. Ambas as músicas são intimistas, mas a segunda mais do que a primeira, embora a abordagem das duas não seja proibida, entendo: “Por detrás do pano há um mistério escondido/ tamanho não é documento, gravata é só tecido/ Não julgues o livro pela capa/ nada é eterno, sofrimento é só uma etapa”.
“Teologia da Prosperidade” traz ao debate a religião, “um tema ainda proibido entre nós”, segundo o rapper, para quem “fundar igrejas é um negócio que prospera… interpretam a Bíblia a seu favor”. Já em “Nomes, Palavras e Rimas”, a melhor e mais proibida das promocionais disponibilizadas, Katró faz uma metáfora do cenário político nacional, associando o Chefe do Executivo Angolano a José Mourinho. Sendo assim, quem tiver que entrar em campo terá que lamber-lhe as botas.  
Enquanto uns conseguem matar a fome e outros ficam “podres de dinheiro” depois de lamber as botas ao chefe, milhões morrem de fome. Esta é a mensagem de MCK e Paulo Flores, num remake de “Nzala” de Elias Dyakimwezu, num retrato possível às consequências devastadoras da guerra e ao enriquecimento ilícito de alguns tubarões da nossa Angola: “o dread dispara contra a mãe à frente do filho…/… quem encheu a barriga em tempo de guerra/ construiu riqueza com o sangue do ‘conterra’”.
“Camama ou Kuzu?”, a faixa a seguir, é uma música estrondosa, mais pela participação de Bruno M. Tenham calma, camaradas, maninhos e irmãos. Ninguém vai dançar kuduro! A intenção, segundo MCK, era pôr dois presos, que na realidade estão proibidos do direito de livre expressão, falarem sobre como são tratados na cadeia. Aproveitando-se do título, Bruno M, que já teve uma passagem pelos calabouços, contorna o esperado relato da sua experiência pessoal para retratar as diversas situações político-sociais que facilitam a condução do homem ao crime, desde a falta de preparação familiar, à ausência de políticas inclusivas dirigidas à juventude, culminando com o coro: “Já estive nesta vida, conheço bem o filme/Não há heróis no mundo do crime/Perdi vários amigos por causa do kumbu/Caminhos são dois: Camama ou Kuzu”, o que espelha a ainda dominante falta de oportunidades à população, atirada a bairros longínquos sem as mínimas infra-estruturas auxiliares que contribuiriam para que as pessoas ocupassem o seu tempo de modo mais útil.
Mais adiante, MCK surge mais criativo em “Na fila do banco”, interiorizando três personagens distintas para abordar três temas proibidos: racismo (quem reclama de racismo é racista), prostituição de luxo e tráfico de drogas. Ao invés de comentar sobre esta música, recomendo-a, por ser uma das que mais gostei e tenho medo de não saber falar devidamente sobre ela.
“Circuito Fechado”, “País do Pai Banana”, “A Bala dói”, “Quarentona Atraente” e “Tou na fronteira” conduzem-nos ao término de uma escuta proibida de MCK. Destaque para a “Bala dói”, com Ikonoklasta. “A mim não foi a Líbia que inspirou”, lança Katró. Depois de vários versos de auto-afirmação e claro ataque aos seus opositores (políticos), vem o coro, cantado num instrumental dançante com fortes influências de reggae, pelo seu convidado: “Sempre nos prometem comida, mas só nos dão porrada/nosso estômago até já grita/ mas eles têm ‘babas’ que cospem balas/ e a bala dói…”, fazendo-nos lembrar o destino de Cherokee por cantar “As Téknikas, as Kauzas e Konsekuências" – não é só proibido ouvir isso, é mais proibido ainda repetir alto o que se ouve sem permissão, aconselhariam alguns.
“País do Pai Banana” e “Quarentona Atraente” não deixam a desejar. Na primeira o artista inspira-se no kudurista Pai Banana, que em entrevista ao apresentador do “Sempre a Subir”, Sebem, afirma não se “bifar com putos”, porque todos estão “na minha responsabilidade”, para opor-se ao silêncio de quem faz ouvidos de mercador diante das críticas sobre o estado da nação, porque todos estão sob sua responsabilidade. As palavras falam por si: “Não emigrei para a Europa quando faltou comida/Eu vi o país na cama…/vivemos ao relento tipo cão sem dono/Aqui o patrão é colono/… pobreza é negócio/ nosso sofrimento é vendido…/África é o berço, quem está no berço dorme/Aqui pensamos pouco e morremos à fome/… vivemos ressacados e não exigimos nada/Eles adoram ‘cabrité’/ todos sonham com o Comité”. A segunda é uma ficção empolgante, em que o rapper se revela como um exímio story-teller. Deixa-se levar por uma fã atraente, nos seus 40 anos de idade, que mostra se acompanhá-lo desde o Chabá à Maianga, passando pelos shows desérticos do Elinga Teatro às enchentes do Karl Marx, entrevistas à CNN e BCC. O rapaz ilude-se e acaba morto pela “boazuda” que afinal é bófia. “Tou na Fronteira” é a chegada de Katró ao Reino Celestial, onde é recebido por Cherokee e revê os amigos que o haviam deixado. Outra música que recomendo.
“Proibido Ouvir Isso” tem mais duas músicas bónus. “Vida no Avesso”, já conhecida, e “Eu sou Angola”: “O meu som não tem norte, não tem sul/ … Sou Flec e FALA/ Sou o povo e o povo é o MPLA/ Sou Bloco Democrático, Unita e FNLA”, propaga MCK, assumindo-se como um cidadão de Angola, cuja tarefa não se reduz a enaltecer uma tribo, partido, cultura ou região em particular, mas acima de tudo o nome de ANGOLA.
No final, não é tão proibido assim ouvir isso, primeiro porque algumas críticas foram menos contundentes e conseguidas (criativas) do que eu particularmente esperava - mas dou nota positiva ao trabalho como um todo -, segundo porque, num país que se quer verdadeiramente pluralista e democrático, são necessárias outras vozes para contrabalançar a oficial que às vezes, admita-se, ofusca a veracidade dos factos, o que também acontece com as não oficiais. Cá para mim, parafraseando Pedro Coquenão, “MCK não é um MC. É um cidadão praticante da sua condição”. Sendo assim, declaro permitido ouvir isso! Até o dia 18 de Dezembro, na Praça da Independência!
Por Sebastião Vemba, jornalista

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