Para título de álbum musical,
“Proibido Ouvir Isso” é, em todos os aspectos, um nome muito sugestivo – o que
mais se proíbe é o que mais se deseja, diz o ditado - e MCK tem consciência
disso, ao ressurgir à ribalta (não sei se ribalta cai bem, porque os undergrounds
não gostam, ou dizem não gostar, dos holofotes) depois de cinco anos,
quebrando, desta forma, a habitual pausa de quatro anos.
Aliás, “Cinco Anos de Ausência” é
um dos singles disponibilizados pelo autor de “Atrás do Prejuízo” e da
problemática “As Téknikas, as Kausas e as Konsequências”, em que Katro explica a
razão do seu silêncio.
Mas, olhando para o álbum, este
começa com um discurso proibido, o “Fogo Amigo”: «Saudações a todos os irmãos, maninhos e camaradas…a minha
arte tornou-se proibida, Cherokee perdeu a vida … no sofá de casa todos são
críticos, na rua é só “sim chefe”», atira MCK, sobre um instrumental com bases
africanas (característico do artista) produzido por Flagelo Urbano,
desembocando na já referida “Cinco Anos de Ausência”, seguida da também já
disponibilizada “Por Detrás do Pano”, com participações de Ângela Ferrão e Beto
de Almeida. Ambas as músicas são intimistas, mas a segunda mais do que a
primeira, embora a abordagem das duas não seja proibida, entendo: “Por detrás
do pano há um mistério escondido/ tamanho não é documento, gravata é só tecido/
Não julgues o livro pela capa/ nada é eterno, sofrimento é só uma etapa”.
“Teologia da Prosperidade” traz ao debate a religião, “um
tema ainda proibido entre nós”, segundo o rapper, para quem “fundar igrejas é
um negócio que prospera… interpretam a Bíblia a seu favor”. Já em “Nomes, Palavras
e Rimas”, a melhor e mais proibida das promocionais disponibilizadas, Katró faz
uma metáfora do cenário político nacional, associando o Chefe do Executivo Angolano
a José Mourinho. Sendo assim, quem tiver que entrar em campo terá que
lamber-lhe as botas.
Enquanto uns conseguem matar a
fome e outros ficam “podres de dinheiro” depois de lamber as botas ao chefe,
milhões morrem de fome. Esta é a mensagem de MCK e Paulo Flores, num remake de
“Nzala” de Elias Dyakimwezu, num retrato possível às consequências devastadoras
da guerra e ao enriquecimento ilícito de alguns tubarões da nossa Angola: “o
dread dispara contra a mãe à frente do filho…/… quem encheu a barriga em tempo
de guerra/ construiu riqueza com o sangue do ‘conterra’”.
“Camama ou Kuzu?”, a faixa a
seguir, é uma música estrondosa, mais pela participação de Bruno M. Tenham
calma, camaradas, maninhos e irmãos. Ninguém vai dançar kuduro! A intenção,
segundo MCK, era pôr dois presos, que na realidade estão proibidos do direito
de livre expressão, falarem sobre como são tratados na cadeia. Aproveitando-se
do título, Bruno M, que já teve uma passagem pelos calabouços, contorna o esperado
relato da sua experiência pessoal para retratar as diversas situações
político-sociais que facilitam a condução do homem ao crime, desde a falta de preparação
familiar, à ausência de políticas inclusivas dirigidas à juventude, culminando
com o coro: “Já estive nesta vida, conheço bem o filme/Não há heróis no mundo
do crime/Perdi vários amigos por causa do kumbu/Caminhos são dois: Camama ou
Kuzu”, o que espelha a ainda dominante falta de oportunidades à população,
atirada a bairros longínquos sem as mínimas infra-estruturas auxiliares que
contribuiriam para que as pessoas ocupassem o seu tempo de modo mais útil.
Mais adiante, MCK surge mais
criativo em “Na fila do banco”, interiorizando três personagens distintas para
abordar três temas proibidos: racismo (quem reclama de racismo é racista),
prostituição de luxo e tráfico de drogas. Ao invés de comentar sobre esta
música, recomendo-a, por ser uma das que mais gostei e tenho medo de não saber
falar devidamente sobre ela.
“Circuito Fechado”, “País do Pai Banana”,
“A Bala dói”, “Quarentona Atraente” e “Tou na fronteira” conduzem-nos ao
término de uma escuta proibida de MCK. Destaque para a “Bala dói”, com
Ikonoklasta. “A mim não foi a Líbia que inspirou”, lança Katró. Depois de
vários versos de auto-afirmação e claro ataque aos seus opositores (políticos),
vem o coro, cantado num instrumental dançante com fortes influências de reggae,
pelo seu convidado: “Sempre nos prometem comida, mas só nos dão porrada/nosso
estômago até já grita/ mas eles têm ‘babas’ que cospem balas/ e a bala dói…”,
fazendo-nos lembrar o destino de Cherokee por cantar “As Téknikas, as Kauzas e
Konsekuências" – não é só proibido ouvir isso, é mais proibido ainda
repetir alto o que se ouve sem permissão, aconselhariam alguns.
“País do Pai Banana” e
“Quarentona Atraente” não deixam a desejar. Na primeira o artista inspira-se no
kudurista Pai Banana, que em entrevista ao apresentador do “Sempre a Subir”,
Sebem, afirma não se “bifar com putos”, porque todos estão “na minha
responsabilidade”, para opor-se ao silêncio de quem faz ouvidos de mercador
diante das críticas sobre o estado da nação, porque todos estão sob sua
responsabilidade. As palavras falam por si: “Não emigrei para a Europa quando
faltou comida/Eu vi o país na cama…/vivemos ao relento tipo cão sem dono/Aqui o
patrão é colono/… pobreza é negócio/ nosso sofrimento é vendido…/África é o
berço, quem está no berço dorme/Aqui pensamos pouco e morremos à fome/… vivemos
ressacados e não exigimos nada/Eles adoram ‘cabrité’/ todos sonham com o
Comité”. A segunda é uma ficção empolgante, em que o rapper se revela como um
exímio story-teller. Deixa-se levar por uma fã atraente, nos seus 40 anos de
idade, que mostra se acompanhá-lo desde o Chabá à Maianga, passando pelos shows
desérticos do Elinga Teatro às enchentes do Karl Marx, entrevistas à CNN e BCC.
O rapaz ilude-se e acaba morto pela “boazuda” que afinal é bófia. “Tou na
Fronteira” é a chegada de Katró ao Reino Celestial, onde é recebido por
Cherokee e revê os amigos que o haviam deixado. Outra música que recomendo.
“Proibido Ouvir Isso” tem mais
duas músicas bónus. “Vida no Avesso”, já conhecida, e “Eu sou Angola”: “O meu
som não tem norte, não tem sul/ … Sou Flec e FALA/ Sou o povo e o povo é o
MPLA/ Sou Bloco Democrático, Unita e FNLA”, propaga MCK, assumindo-se como um
cidadão de Angola, cuja tarefa não se reduz a enaltecer uma tribo, partido,
cultura ou região em particular, mas acima de tudo o nome de ANGOLA.
No final, não é tão proibido
assim ouvir isso, primeiro porque algumas críticas foram menos contundentes e
conseguidas (criativas) do que eu particularmente esperava - mas dou nota
positiva ao trabalho como um todo -, segundo porque, num país que se quer
verdadeiramente pluralista e democrático, são necessárias outras vozes para
contrabalançar a oficial que às vezes, admita-se, ofusca a veracidade dos
factos, o que também acontece com as não oficiais. Cá para mim, parafraseando
Pedro Coquenão, “MCK não é um MC. É um cidadão praticante da sua condição”.
Sendo assim, declaro permitido ouvir isso! Até o dia 18 de Dezembro, na Praça
da Independência!
Por Sebastião Vemba, jornalista
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